A associação cultural CULTRA, em parceria com várias entidades do movimento associativo e cultural, grupos de teatro, cineastas, unidades de investigação académica e investigadores, ex-presas e presos políticos, ativistas sindicais e políticos do período revolucionário, mulheres e homens de todas as correntes da resistência antifascista e dos combates da Revolução, leva a cabo um largo conjunto do iniciativas para assinalar o cinquentenário do 25 de Abril e da Revolução portuguesa de 1974/1975.Nesse sentido, levam-se os Debates de Abril às escolas. Foi neste âmbito que a Biblioteca Escolar Ferreira de Castro, com a participação do professor João Correia, a quem desde já agradecemos, recebeu a jornalista e dirigente sindical Diana Andringa.
Aos alunos do 9º B1 e 9ºC1, foi possível ouvir o testemunho de alguém que passou pelas cadeias da PIDE.
Diana Andringa nasceu em 1947, no Dundo, Lunda-Norte, Angola, vindo para Portugal em 1958. Em 1964 ingressou na Faculdade de Medicina de Lisboa, que abandonou para se dedicar ao jornalismo. Em 1968, frequentou o 1º Curso de Jornalismo criado pelo Sindicato dos Jornalistas e entrou para a Vida Mundial, de onde saíu no âmbito de uma demissão coletiva. Desempregada, foi copy-writer de publicidade, trabalho que a prisão pela PIDE, em janeiro de 1970, interrompeu, condenada a 20 meses de prisão por apoio à causa da independência de Angola.
De 1978 a 2001 foi jornalista na RTP. Foi também cronista no Diário de Notícias, na RDP e no Público e fugaz diretora adjunta do Diário de Lisboa. Atualmente documentarista independente - Timor-Leste, O sonho do Crocodilo; Guiné-Bissau: As duas Faces da Guerra; Dundo, Memória colonial, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta - regressou à Universidade, doutorando-se em Sociologia da Comunicação pelo ISCTE em 2013.
https://ces.uc.pt/pt/ces/pessoas/investigadoras-es/diana-andringa
Com interesses na investigação sobre Memória da Tortura em Portugal e Colónias (1926-1974), Diana Andringa partilha com os nossos alunos a sua experiência nas prisões da PIDE. Detida em Caxias, mesmo não tendo sofrido as torturas e outras formas de violência a que a maioria das suas companheiras foi sujeita, o isolamento no espaço de uma cela com outras prisioneiras , foi uma experiência inesquecível, e partilhada nesta sessão.
São de Diana Andringa os excertos que transcrevemos:
Na primeira sala onde fui colocada na António Maria Cardoso travei conhecimento com o Inspector Tinoco. “Com que então, distribuição de propaganda subversiva em Luanda!”, disparou, ameaçador. Teve azar: revelou a fragilidade da informação policial. Eu nunca estivera mais do que alguns dias em Luanda, a última das quais com onze anos. “Não me lembro – e, se a fiz, o crime já deve ter prescrito”, respondi. Abandonou a sala.
(...)
Entro na cela: do lado esquerdo, uma cama de ferro, uma mesa de pedra presa à parede, uma cadeira; do lado direito um armário e a casa de banho. Ao fundo, a janela, de grades duplas. Nada que se compare ao exíguo espaço dos curros do Aljube, onde passaram diversos amigos meus.
(...)
Durante a noite, por mais de uma vez, o postigo abriu-se e houve uma lanterna apontada na minha direcção. A polícia não gosta que os seus presos se evadam pela via do suicídio.
(...)
No julgamento, catorze meses depois desse 27 de Janeiro, os juízes condenaram-me a 20 meses de prisão.
(...)
Acórdão, proferido a 30 de Março de 1971 pelos juízes do Tribunal Plenário de Lisboa, Fernando António Morgado Florindo, Bernardino Rodrigues de Sousa e João de Sá Alves Cortês:
“A ré é simpatizante da linha política de acção violenta do MPLA, concordando com a formação de actuação do mesmo, cujos estatutos e programa aprova. Partidária da independência da província ultramarina de Angola, tem procurado doutrinar, quer por palavras quer por documentação panfletária, os indivíduos com quem tem contactado, sobretudo ultramarinos, e, para a consecução dos fins do MPLA, com plena consciência dos mesmos, promoveu o encontro entre os réus Álvaro e Maria José, nesta cidade, para que aquele fizesse seguir por esta, para o estrangeiro, uma carta-mensagem destinada ao comité-director do movimento, encontro efectuado depois de de 15 de Agosto de 1969.
(...)
Prestou ao réu Rui não só apoio mas colaboração e auxílio nas actividades a favor do MPLA, fornecendo-lhe algumas fotografias de líderes revolucionários e literatura de carácter revolucionário e acompanhando-o na escolha e compra de outra em diversas livrarias, tudo para a consecução dos fins do movimento.
(...)
Entregou ainda ao Rui uma caixa de folhas de papel stencyl que tinha em sua casa e fê-lo com pleno conhecimento de que o mesmo ia ser utilizado para policopiar propaganda clandestina.”
(...)
Envelheci muito nesses vinte meses. Mas nem tudo foi negativo. Como recordou, há alguns meses, um antigo preso político cabo-verdiano que passou três anos no Tarrafal, na cadeia aprendíamos a conhecer-nos e a conhecer melhor as razões da nossa luta. Ou, pedindo de novo ajuda às palavras de outros, a saber para sempre que os nossos cantares não podem ser sem pecado um adorno, e que lutar é apenas ter uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2010/01/27/27-de-janeiro-de-1970-relato-de-uma-prisao-atipica/
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