A Biblioteca Escolar Ferreira de Castro continua com a sua exposição Coisas de Portugal dos anos 60/70 do século XX. Os nossos alunos continuam a visitar-nos e a admirar-se com as realidades passadas. Poder teclar numa máquina de escrever Olivetti Lettera 22, desenhada por Marcello Nizzoli, criada em 1950, é uma sensação nova para quem está habituado ao computador. Uma fita, duas cores e letras que carimbam! E como era difícil apagar as letras com RADEX! Mas visitar esta exposição é também conhecer a realidade de Portugal anterior a 1974. Os alunos que nos visitam ficam a saber que a taxa de analfabetismo em 1970 situava-se nos 25,7%, e que poucos teriam máquinas de escrever.
Também o famoso livro Cozinheira Ideal, de Alda de Azevedo, l943, teve muitas edições e acompanhou algumas famílias portuguesas nos anos 60 e 70. Importante frisar que poucos em Portugal teriam condições para comprar este livro e muitos não o poderiam ler porque o número de indivíduos residentes em Portugal, sem qualquer
nível de ensino em 1970, era de 5,2 milhões. E o titulo do livro? Porquê cozinheira ideal? Só as mulheres iam para a cozinha? Outra realidade que explorámos com os nossos alunos, sobre o papel da mulher no Estado Novo.
A propósito da máquina de moer a carne e das diferenças alimentares entre o campo e a cidade nos anos 60/70 em Portugal, os nossos alunos também ficaram a saber que a pobreza também era urbana e que segundo Leonardo
Aboim Pires, no seu estudo As mudanças
económicas do pós-guerra e a questão
alimentar em Portugal: padrões de consumo, nas
classes operárias a pobreza alimentar também se fazia sentir: na zona industrial de Alcântara, no final da
década de 1960, a base da alimentação partia do consumo de batata e arroz, uma
quase inexistência de gorduras, vitaminas e proteínas, onde os fracos recursos
da população permitiam, na sua maioria, uma refeição diária. Então ter esta máquina significava pelo menos comer carne. Podemos assim mostrar mais uma vez como um objeto colocado no seu contexto, é portador de História.
Como nos diz Amália Rodrigues no seu fado Uma casa portuguesa, que ouvimos e interpretámos com os nossos alunos, Numa casa portuguesa fica bem/ Pão e vinho sobre a mesa, e também sem esquecer que Basta pouco poucochinho pra alegrar/ Uma existência singela/ É só amor pão e vinho/ E um caldo verde verdinho/ A fumegar na tigela. A alegria na pobreza, como canta este fado, faz parte do ideário do Estado Novo. Como nos diz Maria Alice Samara e Raquel
Pereira Henriques no seu estudo Contributos
da história oral. A
questão da fome no Estado Novo, as difíceis
condições de vida das pessoas economicamente desfavorecidas eram exatamente o
oposto da propaganda salazarista que erigia a pobreza como virtude.
Em Portugal dos anos 60/70, poucas eram as famílias que poderiam comprar brinquedos importados e ter televisão era uma realidade que a poucos chegava. Como nos dizem os dados de José Ricardo
Carvalheiro no seu trabalho Elementos
sobre a ideia de audiência nos inícios da TV portuguesa, em 1969 eram apenas 39 televisores por 1000 habitantes. O aparelho televisivo era um relativo privilégio e requeria estratégias de visionamento coletivo no seio das classes populares, que iam ao café ou se juntavam na casa de alguém que tivesse televisão.
Mais uma vez colocamos os objetos a falar e levamos os nossos alunos a aprender sobre uma realidade que desconhecem. Ensina-se e aprende-se História, de forma diferente, na Biblioteca Escolar Ferreira de Castro.
Os nossos alunos quiseram tocar numa câmara fotográfica analógica e ficaram a saber como tudo funcionava com o rolo KODAK. Só podemos tirar 36 fotografias? E depois, como era? São algumas questões que nos colocam, muito admirados.
Os nossos alunos desconheciam também o que eram as fotonovelas e que estas surgiram em Itália em 1947, como foto romances herdeiros da popularidade do cinema. O público da fotonovela era um público maioritariamente feminino, com fraca escolaridade e um baixo poder económico. Nesta exposição foi possível mostrar uma matriz de uma fotonovela e os alunos viram como as legendas eram escritas à máquina e coladas nas fotografias. Tão longe do digital!
Os objetos funcionam como mediadores das relações sociais e os seus percursos podem revelar aspectos da sociedade do seu tempo. Debater com os nossos alunos sobre a importância dos objetos para o estudo da História ou sobre como era a realidade portuguesa nos anos 60/70 do século XX, é também lembrar a importância da Revolução Portuguesa de 1974.