A Biblioteca Escolar Ferreira de Castro continua a dar a conhecer contos tradicionais portugueses e a solicitar a sua interpretação visual através de projetos que estabelecem parceria entre a biblioteca escolar e a disciplina de Educação Visual. Neste caso, do professor Fernando Trigo, temos a aluna Beatriz Varandas, do 8ºA1, que construiu o seu projeto de ilustração com o conto As cunhadas do Rei. Mais uma vez agradecemos a alunos e professores o facto de terem abraçado os projetos de ilustração de contos tradicionais e lendas do mundo, da Biblioteca Escolar Ferreira de Castro.
AS CUNHADAS DO REI
O rei andava de noite pelas ruas acompanhado do seu cozinheiro e do seu
copeiro disfarçado, escutando pelas portas; passou por um balcão onde estavam
três meninas, alegremente conversando, pôs-se à escuta do que diziam:
— Ali vão três tunantes; se um fosse o rei, já eu sabia quem eram os outros.
— Um era o cozinheiro. Quem me a mim dera casar com ele; sempre havia de
comer bons fricassés.
— O outro era o copeiro; pois eu cá o que queria era casar com ele, porque
havia de ter bons licores.
Disse a mais nova:
— Eu não sei quem eles são; mas ainda que fossem condes ou duques, antes
queria casar com o rei porque lhe havia de dar três meninos cada um com a sua
estrela de ouro na testa.
O rancho foi-se embora, mas no outro dia, o rei mandou ir à sua presença as três
irmãs. Perguntou-lhes se era verdade o que elas tinham dito na véspera à noite.
Respondeu a mais velha por si.
Disse o rei:
— Pois então casarás com o meu cozinheiro.
A do meio também disse que tinha falado por zombaria; o rei mandou que se
arrecebesse com o copeiro. Chegou-se por fim a mais moça, que era a mais
bonita:
— Então, disseste que só querias casar comigo?
— É verdade, não posso mentir; mande-me Vossa Majestade castigar.
O que o rei fez foi casar com ela; as irmãs ficaram a arrebentar de inveja, mas
viviam no palácio. Ao fim do tempo, a que estava rainha teve dois meninos com
uma estrelinha na testa. As irmãs que estavam com ela, trocaram os meninos por
dois cães. Os meninos foram botados ao rio dentro duma condessinha, e
seguiram por água abaixo até ao moinho de um moleiro; como lhe parasse a
água, ele saiu a ver o que era, e achando as duas criancinhas tomou-as para casa e criou-as.
Ora o rei andava longe da terra, e quando veio soube do caso e ficou
muito triste mas não fez mal à mulher.
Passado tempo a rainha teve uma menina, e as irmãs, vendo que ela também
tinha uma estrela na testa trocaram-na por uma cadelinha e mandaram-na
deitar ao rio; assim foi ter ao moinho onde já estavam os irmãos. O rei quando
soube que a sua mulher tinha tido uma cadela, mandou-a enterrar até à cinta no
pátio do palácio, para que todos que entrassem ou saíssem lhe cuspissem em
cima.
Os três meninos cresceram, e o moleiro pôs-lhes umas carapucinhas para
encobrir as estrelas de ouro que tinham na testa.
Um dia foi uma pobre pedir esmola à porta do moleiro; os meninos deram-lhe a
esmolinha, e era Nossa Senhora, que lhes disse, — quando se vissem em alguma
aflição dissessem: «Valha-me aquela pobrezinha.» Veio a peste, e o moleiro e
toda a sua gente morreu, e os meninos foram todos três por esse mundo.
Apareceu-lhes a pobre que os guiou até ao pé do palácio do rei, e deu-lhes a cada
um a sua pedrinha, para se tornarem em um grande palácio quando as atirassem
ao chão.
As tias estavam à janela do paço, e reconheceram que eram os meninos das
estrelinhas na testa; trataram logo de ver se os matavam. Mandaram ter com eles
uma criada bruxa, que disse ao mais novinho, para entrar no jardim e apanhar
um papagaio. Ele disse-lhe que não; vai o mais velho como animoso, disse:
— Pois vou eu.
E assim que entrou perdeu-se lá dentro e ficou encantado em leão. O outro
quando viu que o irmão não tornava chamou pela pobrezinha; ela veio e deu-lhe
uma lança, e disse:
— Vai ao jardim, e fere com ela o leão encantado.
Ele assim fez; e apareceu-lhe logo outra vez o irmão, que já tinha apanhado o
papagaio. Botaram a fugir logo, e os portões do jardim fecharam-se de repente e
só apanharam uma pontinha da aba do casaco de um deles.
A criada bruxa tinha no entretanto ido ter com a menina, e falou-lhe em certas
maravilhas da Árvore que bota sangue e da Água de mil fontes. A menina pediu
aos irmãos estas coisas, que eram para enfeitar os jardins do seu palácio. Cada
um foi lá por sua vez e lá ficaram ambos encantados. Quando a menina viu que
não tornavam, disse muito triste:
— Valha-me aqui a nossa pobrezinha.
Apareceu-lhe logo Nossa Senhora, que lhe ensinou como havia de ir ao jardim,
e desencantar os irmãos, e enfrascar a Água de mil fontes e cortar o ramo da
Árvore que deitava sangue. Ela fez tudo, mas era preciso, que por mais barulho
que ouvisse nunca olhasse para trás, senão ficava também encantada. Quando
vinha com os irmãos e com as coisas que eles tinham ido buscar, era muito o
barulho de vozes e só ao sair da porta é que deu um jeitinho à cabeça para ver
para trás, mas foi o bastante para lhe ficarem presos os cabelos. Os irmãos foram
buscar umas tesouras, e voltaram depois todos para o seu palácio defronte do rei.
Quando o rei aparecia à janela o papagaio não fazia senão rir. O rei convidou os
meninos para um banquete e pediu que levassem o papagaio.
Os meninos foram, mas ao passarem pela mulher que estava enterrada até à
cinta não quiseram cuspir nela. O rei teimou, mas não conseguiu nada. Foram
para a mesa; uma das irmãs da rainha é que trinchava, e tinha botado resalgar na
sopa dos meninos. O papagaio avisou-os:
— Meninos, não comam, que tem veneno.
O rei ficou desconfiado, e perguntou aos meninos porque não comiam; disseram
eles:
— Falta aqui uma pessoa; é aquela mulher que está enterrada até à cinta no
pátio do palácio.
Disse o papagaio:
— Mande-a o rei vir, porque ela é a mãe destes meninos.
O rei mandou vir a mulher; e disse-lhe o papagaio:
— Sente-a agora ao seu lado; olhe que ela é sua mulher.
E contou como é que as cunhadas do rei tinham mandado botar ao rio em
canastrinhas os três meninos, e tinham posto em seu lugar os cães; e se se
quisesse confirmar, que visse se os meninos tinham na testa as estrelinhas. Os
meninos tiraram as carapucinhas, e o rei conheceu-os, e abraçou a sua mulher; e
mandou que as cunhadas comessem a comida envenenada, e logo ali
arrebentaram.
(Airão — Minho)
Título: Contos Tradicionais do Povo Português – volume 1
Autor: Teófilo Braga
Edição: Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro
Coleção: Clássicos da literatura portuguesa
Adaptação, paginação e projeto gráfico: Carlos Pinheiro
1.ª edição: outubro de 2013
ISBN: 978-989-8671-16-5
Edição segundo as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de
1990.
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