Blogue da Biblioteca Escolar da Escola Básica Ferreira de Castro - Sintra

Aqui partilhamos tudo o que acontece na nossa Biblioteca.

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24 abril, 2024

Quintino Lopes - A Lição de Salazar (A educação no Estado Novo) ( 9ºA4 e 9ºC3.)


    A Biblioteca Escolar Ferreira de Castro continua a dinamizar atividades que se enquadram nas comemorações dos 50 anos da Revolução Portuguesa de 25 de abril de 1974, e desta vez para os grupos/turmas 9ºA4 e 9ºC3.
    No âmbito do programa "A Liberdade está na Escola”, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e a convite da Biblioteca Escolar Ferreira de Castro e do professor João Correia, a quem desde já agradecemos, foi possível termos o prazer de receber o investigador Quintino Lopes da Universidade Nova de Lisboa, do Instituto de História Contemporânea.
    Quintino Lopes concluiu o Doutoramento em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Évora em 2017.Para o desenvolvimento da sua tese de doutoramento, recebeu financiamento da FCT, tendo obtido o primeiro lugar do painel no concurso internacional. Em 2018 foi galardoado com o Prémio Publicações Internacionais de Jovens Investigadores pela Associação Portuguesa de História Económica e Social. A sua investigação foi também reconhecida e financiada pela Johns Hopkins University, pela History of Science Society (EUA), pelo Institut National des Langues et Civilisations Orientales (França) e pela empresa privada Ferraz de Lacerda (Portugal).
    As  áreas de Investigação de Quintino Lopes são: História contemporânea; História da ciência; História comparativa e transnacional; Ditadura Militar e Estado Novo. Foi esta última área de investigação que Quintino Lopes trouxe à Biblioteca Escolar Ferreira de Castro, com o tema A Lição de Salazar (A educação no Estado Novo). Várias foram as turmas de 9º ano que puderam  interpretar o cartaz Lição de Salazar e descobrir o que  lhe está subjacente do ponto de vista ideológico e de organização social e familiar.
    Por fim foi possível analisar alguns textos de manuais escolares e interpretar as respetivas capas, percebendo o objetivo doutrinário do ensino no Estado Novo.













23 abril, 2024

Diana Andringa - Eu passei pelas cadeias da PIDE


    A associação cultural CULTRA, em parceria com várias entidades do movimento associativo e cultural, grupos de teatro, cineastas, unidades de investigação académica e investigadores, ex-presas e presos políticos, ativistas sindicais e políticos do período revolucionário, mulheres e homens de todas as correntes da resistência antifascista e dos combates da Revolução, leva a cabo um largo conjunto do iniciativas para assinalar o cinquentenário do 25 de Abril e da Revolução portuguesa de 1974/1975.Nesse sentido, levam-se os Debates de Abril às escolas. Foi neste âmbito que a Biblioteca Escolar Ferreira de Castro, com a participação do professor João Correia, a quem desde já agradecemos, recebeu a jornalista e dirigente sindical Diana Andringa.
    Aos alunos do 9º B1 e 9ºC1, foi possível ouvir o testemunho de alguém que passou pelas cadeias da PIDE. 

Diana Andringa nasceu em 1947, no Dundo, Lunda-Norte, Angola, vindo para Portugal em 1958. Em 1964 ingressou na Faculdade de Medicina de Lisboa, que abandonou para se dedicar ao jornalismo. Em 1968, frequentou o 1º Curso de Jornalismo criado pelo Sindicato dos Jornalistas e entrou para a Vida Mundial, de onde saíu no âmbito de uma demissão coletiva. Desempregada, foi copy-writer de publicidade, trabalho que a prisão pela PIDE, em janeiro de 1970, interrompeu, condenada a 20 meses de prisão por apoio à causa da independência de Angola.
De 1978 a 2001 foi jornalista na RTP. Foi também cronista no Diário de Notícias, na RDP e no Público e fugaz diretora adjunta do Diário de Lisboa. Atualmente documentarista independente - Timor-Leste, O sonho do Crocodilo; Guiné-Bissau: As duas Faces da Guerra; Dundo, Memória colonial, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta - regressou à Universidade, doutorando-se em Sociologia da Comunicação pelo ISCTE em 2013.
https://ces.uc.pt/pt/ces/pessoas/investigadoras-es/diana-andringa

    Com interesses na investigação sobre Memória da Tortura em Portugal e Colónias (1926-1974), Diana Andringa partilha com os nossos alunos a sua experiência nas prisões da PIDE. Detida em Caxias, mesmo não tendo sofrido as torturas e outras formas de violência a que a maioria das suas companheiras foi sujeita, o isolamento  no espaço de uma cela com outras prisioneiras , foi uma experiência inesquecível, e partilhada nesta sessão.

São de Diana Andringa os excertos  que transcrevemos:

Na primeira sala onde fui colocada na António Maria Cardoso travei conhecimento com o Inspector Tinoco. “Com que então, distribuição de propaganda subversiva em Luanda!”, disparou, ameaçador. Teve azar: revelou a fragilidade da informação policial. Eu nunca estivera mais do que alguns dias em Luanda, a última das quais com onze anos. “Não me lembro – e, se a fiz, o crime já deve ter prescrito”, respondi. Abandonou a sala.
(...)
Entro na cela: do lado esquerdo, uma cama de ferro, uma mesa de pedra presa à parede, uma cadeira; do lado direito um armário e a casa de banho. Ao fundo, a janela, de grades duplas. Nada que se compare ao exíguo espaço dos curros do Aljube, onde passaram diversos amigos meus.
(...)
Durante a noite, por mais de uma vez, o postigo abriu-se e houve uma lanterna apontada na minha direcção. A polícia não gosta que os seus presos se evadam pela via do suicídio.
(...)
No julgamento, catorze meses depois desse 27 de Janeiro, os juízes condenaram-me a 20 meses de prisão.
(...)
Acórdão, proferido a 30 de Março de 1971 pelos juízes do Tribunal Plenário de Lisboa, Fernando António Morgado Florindo, Bernardino Rodrigues de Sousa e João de Sá Alves Cortês:
“A ré é simpatizante da linha política de acção violenta do MPLA, concordando com a formação de actuação do mesmo, cujos estatutos e programa aprova. Partidária da independência da província ultramarina de Angola, tem procurado doutrinar, quer por palavras quer por documentação panfletária, os indivíduos com quem tem contactado, sobretudo ultramarinos, e, para a consecução dos fins do MPLA, com plena consciência dos mesmos, promoveu o encontro entre os réus Álvaro e Maria José, nesta cidade, para que aquele fizesse seguir por esta, para o estrangeiro, uma carta-mensagem destinada ao comité-director do movimento, encontro efectuado depois de de 15 de Agosto de 1969.
(...)
Prestou ao réu Rui não só apoio mas colaboração e auxílio nas actividades a favor do MPLA, fornecendo-lhe algumas fotografias de líderes revolucionários e literatura de carácter revolucionário e acompanhando-o na escolha e compra de outra em diversas livrarias, tudo para a consecução dos fins do movimento.
(...)
Entregou ainda ao Rui uma caixa de folhas de papel stencyl que tinha em sua casa e fê-lo com pleno conhecimento de que o mesmo ia ser utilizado para policopiar propaganda clandestina.”
(...)
Envelheci muito nesses vinte meses. Mas nem tudo foi negativo. Como recordou, há alguns meses, um antigo preso político cabo-verdiano que passou três anos no Tarrafal, na cadeia aprendíamos a conhecer-nos e a conhecer melhor as razões da nossa luta. Ou, pedindo de novo ajuda às palavras de outros, a saber para sempre que os nossos cantares não podem ser sem pecado um adorno, e que lutar é apenas ter uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2010/01/27/27-de-janeiro-de-1970-relato-de-uma-prisao-atipica/















22 abril, 2024

Livro escolar único como retrato ideológico do Estado Novo


    Com o grupo/turma 9ºB1, a Biblioteca Escolar Ferreira de Castro e a sua professora bibliotecária recebe a oitava das dez turmas de 9º ano, para a atividade Livro escolar único como retrato ideológico do Estado Novo.
    O Livro Escolar Único foi uma ferramenta crucial no sistema educativo do Estado Novo, refletindo a tentativa do regime de controlar e doutrinar a população desde a infância. Através desses manuais, o governo de Salazar conseguiu não apenas padronizar o ensino, mas também promover a sua ideologia de maneira eficaz e duradoura. A centralização e a censura aplicadas aos conteúdos educacionais mostram como o Estado Novo utilizou a educação como um meio de perpetuar o seu poder e os seus valores na sociedade portuguesa. Neste sentido , esta atividade funcionou como uma aula de História diferente, e contextualizou o 50º aniversário da democracia em Portugal.





O papel da mulher no Estado Novo está muito bem definido nos manuais escolares. 
Na prática, o regime salazarista «considerava as mulheres e os homens como seres essencialmente desiguais, as funções e os papéis, a que uns e outros tinham acesso eram distintos em áreas tão fundamentais como a família, a educação, o trabalho ou a vida cívica e política.
Mineiro, Adélia Carvalho (2007).
Valores e Ensino no Estado Novo - Análise dos Livros Únicos
Edições Sílabo, Lisboa. p.99



    Complementámos a leitura dos manuais escolares com a referência à   Mocidade Portuguesa como instituição de formatação ideológica.

    Chamada Mocidade Portuguesa Feminina, esta foi regulamentada, em 8 de Dezembro de 1937, pelo Decreto n.º 28 26, em cujo artigo 9, estabelecia a obrigatoriedade de inscrição nessa organização a todas as portuguesas, estudantes ou não, desde os sete anos até aos 14 anos, e às que frequentavam o primeiro ciclo dos liceus, oficiais e particulares. O estatuto estipulava também que a organização tinha por fim formar uma mulher «nova», através da «educação moral, cívica, física e social»

Pimentel, Irene (2020)
A Mocidade Portuguesa Feminina e a Itália fascista
[Versão electrónica].Officina de la Storia
22/2020

    Aos alunos do 9ºB1 foi também possível conhecer a revista da Mocidade Portuguesa Feminina, Menina e Moça, e o seu ideal feminino.

    A jovem deveria ser simples e discreta, pois só assim seria verdadeiramente bela, distinta e elegante. Num Portugal que nos anos de 1947-1952 começava a dar lentos sinais de mudança, a organização estava atenta e sinceramente preocupada em chegar a um setor da sociedade potencialmente muito mais permeável a movimentos dissidentes. Não raro, recorria a argumentos que poderiam funcionar na perfeição: recordava o risco de a rapariga, se abusasse de cosméticos, se tornar mais feia ou até mesmo ridícula; e salientava o quanto aos homens desagradavam certos comportamentos femininos.
Braga, Paulo Drumond (2022)
O corpo feminino na revista Menina e Moça (1947-1952)
[Versão electrónica] Publicações do Cidehus
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora



    O ensino da História no Estado Novo:
A História de Portugal visa, além dos conhecimentos gerais que ministra, dentro da sua categoria, a formar portugueses; por isso a sua ação tem de ser eminentemente nacionalizadora.
Costa, João Manuel Tavares da (2018)
O Ensino do Português entre 1895 e 1974
Literatura, tradição e autoridade.
Tese de Doutoramento em Literatura de Língua Portuguesa. Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra. 387 pp.




    Alguns livros infantis serviram para ilustrar a ideologia vigente.



    Por sua vez, a Pátria é entendida como «a Nação na sua integridade territorial e moral, na sua plena independência, na sua vocação histórica com a qual estabelecemos uma relação afectiva análoga à de filho com a mãe, num amor que nos deve levar até ao sacrifício, o desejo de bem servir, a vontade de obedecer — única escola para aprender a mandar —, a necessidade viva da disciplina, da ordem, da justiça, do trabalho honesto». (De Oliveira Salazar, citado in António Reis, «Os Valores salazaristas», Portugal Contemporâneo, Vol.2 (1926-1958),Lisboa, Edições Alfa,1990, p. 720.)

Mineiro, Adélia Carvalho (2007).
Valores e Ensino no Estado Novo - Análise dos Livros Únicos
Edições Sílabo, Lisboa. p. 59



    Salazar como modelo no ensino no Estado Novo:
Formar as novas gerações educadas no espírito do amor e da defesa da pátria, o que levará à representação de Salazar como o exemplo do português modesto e trabalhador, pronto a sacrificar – se pela Pátria (Escola Portuguesa, 16 de novembro de 1939, p. 99).
Serrão, Vanda Maria de Bragança (2018)
O Ensino durante o Estado Novo em Portugal: O papel do professor,
Mestrado em Ensino da História no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário
Relatório de Prática de Ensino Supervisionada orientado pelo Professor Doutor Miguel Maria
Universidade de Lisboa,Lisboa.167 pp.



    A Igreja Católica no ensino no Estado Novo:
Em 1940, Portugal havia celebrado uma concordata com a Santa Sé. (…) Esta concordata estabelecia que o ensino «nas escolas públicas seria orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País» o que deixa entender que a Igreja Católica volta a ser a religião com primazia dentro do Estado Português e que o ensino português deveria estar de acordo com os seus princípios que, consequentemente, seriam os ensinados e valorizados (…)indicações que visavam salientar o papel da religião católica dentro da História.

Pinheiro, Bruno (2012)
A educação religiosa nos manuais escolares de história:
Entre a ditadura e a liberdade (1947-2011)
Cultura, Espaço e Memória
Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
N.º 3 (2012): CEM
pp.79-95

20 abril, 2024

Livro escolar único como retrato ideológico do Estado Novo

    A História revela as raízes de conflitos, desenvolvimentos sociais e mudanças políticas, permitindo uma visão mais profunda das questões contemporâneas. Neste sentido, a Biblioteca Escolar Ferreira de Castro , com a sua exposição A educação no Estado Novo, pretendeu contextualizar historicamente o regime que antecedeu a revolução portuguesa de 25 de abril de 1974, neste ano do seu 50º aniversário.

    Documentos contemporâneos de uma época  são a base de pesquisas académicas, permitindo que historiadores e pesquisadores construam narrativas fundamentadas e contribuam para o conhecimento histórico. Na atividade Livro escolar único como retrato ideológico do Estado Novo, a professora bibliotecária tentou demonstrar, que Educação e Valores são temas históricos, e que os manuais escolares podem ser documentos valiosos para se entender um regime político.
    Com os alunos do 9º A4 pretendemos abordar a História com base em testemunhos e documentos da época.

matriz autoritária é uma das características dominantes da política educativa

do Estado Novo (1930-1974). A raiz doutrinal está sempre presente, extravasando mesmo os espaços escolares, para se projetar no seio das famílias e das comunidades.
O Estado Novo sente-se investido das legitimidades sociais que sustentam
as práticas de doutrinação e utiliza todas as potencialidades do ensino como fator
de socialização: inculca valores, subordina corpos, disciplina consciências.
Nóvoa, António
A «Educação Nacional» (1930-1974):
Análise Histórica e Historiográfica
Relatório das Provas de Agregação
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Universidade de Lisboa
30 pp.


A efígie de Salazar, transmitindo um perfil de homem determinado, queixo saliente, com o olhar vigilante no futuro e o sobrolho ligeiramente carregado, de quem tem preocupações que coexistem com a missão histórica, e não tanto divina, de proteger o povo português. Note-se que estamos perante um Salazar ainda jovem embora o desenho, ao mesmo tempo, pudesse corresponder a um homem mais velho. Talvez se projetasse já a imagem da longevidade do regime.

Serra, Filipe Mascarenhas (2005)
«A imagem nos manuais do ensino primário do Estado Novo»,
Cultura, vol. 21, 151-176.



A construção deste projeto nacionalista não poderia jamais deixar de estar associada ao ensino da História. (…)
O poder político cedo se apercebeu que a escola era um espaço de socialização primordial para a formação de uma consciência nacional.

Serrão, Vanda Maria de Bragança (2018)
O Ensino durante o Estado Novo em Portugal: O papel do professor,
Mestrado em Ensino da História no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário
Relatório de Prática de Ensino Supervisionada orientado pelo Professor Doutor Miguel Maria
Universidade de Lisboa,Lisboa.167 pp.

 




Os heróis do passado ganham vida no presente ao moldarem a conduta da mocidade portuguesa. Assim como eles serviram e se sacrificaram pela Pátria, também as crianças deverão viver nestes princípios e, mais tarde, tornar-se agentes propagandistas do regime. Contudo, era sempre frisado que a heroicidade implicava o espírito de sacrifício de obediência ao chefe.
Serrão, Vanda Maria de Bragança (2018)
O Ensino durante o Estado Novo em Portugal: O papel do professor,
Mestrado em Ensino da História no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário
Relatório de Prática de Ensino Supervisionada orientado pelo Professor Doutor Miguel Maria
Universidade de Lisboa,Lisboa.167 pp.