Segundo Alberto Manguel, o filósofo grego aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, foi um dos primeiros leitores a reunir uma importante coleção de manuscritos para seu uso pessoal. Sendo mencionada no livro Geografia de Estrabão, um tratado de 17 livros que descreve povos e locais de todo o mundo, a biblioteca pessoal de Aristóteles é a primeira biblioteca privada da História da qual existe registo escrito. Sobre este, escreve o historiador e geógrafo grego que "foi o primeiro homem, de que há conhecimento, a colecionar livros e a ensinar os reis do Egito a organizar uma biblioteca." Depois da sua morte, Artistóteles deixou a sua biblioteca ao cuidado do seu sucessor, Teosfrato.
Uma vez que a literacia foi um privilégio reservado a uma elite durante milhares de anos, a leitura começou por ser uma atividade oral e coletiva. Desde a Roma Antiga até ao século XIX, as sessões de leituras públicas eram uma forma de entretenimento tão popular como os malabaristas ou os bobos na corte. Para além disso, esta era uma forma de continuar a preservar a transmissão de obras banidas pelas autoridades, das quais foram exemplo as obras de Jean-Jacques Rousseau.
Até a leitura em silêncio se tornar norma no mundo cristão, alguns dogmáticos suspeitavam desta nova tendência, considerando que um livro que pode ser lido em privado, “não é susceptível de clarificação imediata ou de leitura guiada, condenação ou censura por um ouvinte". Desde sempre, os leitores foram temidos pois, como acredita veemente Alberto Manguel, "ler é um ato de poder."
Tal como aconteceu com a maior parte dos grupos de leitores que foram marginalizados, a partir do momento em tiverem permissão para aprender a ler, as mulheres começaram a criar deliberadamente o seu próprio material de leitura. Foi, aliás, a partir de um fenómeno deste tipo, criado pelas mulheres da Corte japonesa, durante o século XI, que nasceu aquele que é considerado o primeiro romance do Mundo - A História de Genji -, cuja autoria é atribuída à fidalga Murasaki Shikibu.
Se acompanha as nossas bulas literárias, integradas na categoria Farmácia Literária deste blogue, sabe que existem diversos estudos científicos que demonstram que ler melhora a nossa saúde. Foi a partir dessa ideia que nasceu a biblioterapia, um tipo de terapia que defende que a cura passa pela leitura de livros. Embora o filósofo francês Denis Diderot, nascido em 1713, ainda não conhecesse este conceito, acreditava no poder terapêutico da leitura em voz alta. Conta Alberto Manguel que "em 1781, Diderot escreveu sobre a «cura» de sua mulher, Nanette, que dizia que nunca tocaria num livro a não ser que o seu conteúdo fosse espiritualmente edificante, submetendo-a ao longo de várias semanas a uma dieta de literatura ousada".
Relata Diderot: "Tornei-me o seu leitor. Administro-lhe três pitadas de Gil Blas todos os dias; uma de manhã, uma após o almoço e a outra ao serão. Quando acabarmos, avançaremos para O Diabo em Duas Varas, O Bacharel de Salamanca e outras obras animadoras da mesma natureza. Alguns anos e umas centenas destas leituras completarão a cura. Se eu tivesse a certeza de ser bem-sucedido, não me queixaria do trabalho. O que me diverte é que ela repete a quem nos visita o que acabei de lhe ler, de forma que a conversa duplica o efeito do remédio. Sempre considerei os romances como produtos frívolos, mas descobri finalmente que são bons para a hipocondria. Darei a fórmula ao Dr. Tronchin da próxima vez que o vir. Receita: oito a dez páginas do Roman comique, de Scarro; quatro capítulos de Dom Quixote; um parágrafo bem escolhido de Rabelais; deixar de infusão numa quantidade razoável de Jacques, o Fatalista ou de Manon Lescaut e variar estes fármacos como se variam as plantas medicinais, substituindo-os por outros com as mesmas propriedades, se necessário."
Não foi só a crescente realização de videochamadas que tornou popular a ideia de ter como cenário uma estante bem apetrechada de livros. Na Rússia do século XVIII, durante o reinado de Catarina, a Grande, um tal Sr. Klosterman fez fortuna com a venda de encadernações recheadas de papel velho, que permitiam aos cortesãos criar a ilusão de uma biblioteca e assim cair nas boas graças da sua imperatriz bibliófila. Ainda assim, partilhamos a convicção de Alberto Manguel de que nada substitui uma verdadeira biblioteca - esse espaço que era para o seu velho amigo, Borges, uma espécie de paraíso.